Por Maria Júlia Sette
(mjuliasette@hotmail.com)
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Idealizada pelo austríaco Rudolf Steiner, a Pedagogia Waldorf nasceu na Alemanha, em 1919, após a 1ª guerra mundial, e começou a ser aplicada no Brasil desde 1956. O desenvolvimento integral da criança e do jovem é um dos motes principais do ensino Waldorf. Como mãe, jornalista e colaboradora do Portal Flores no Ar, mas principalmente como ser humano, tive a oportunidade de cursar o primeiro módulo da formação. Numa pequena brecha, conversei com Kátia Galdi sobre alguns aspectos desta pedagogia. Confira na entrevista a seguir!
A Pedagogia Waldorf foi apontada pela UNESCO como sendo o modelo de pedagogia capaz de responder aos desafios educacionais de nosso tempo. Na sua visão, quais são os principais aspectos da pedagogia que justificam esse reconhecimento da Unesco?
O principal aspecto é que a pedagogia é evidentemente humana, tem um aspecto fundamentalmente humano. E pelo teor das relações sociais passar pelo conhecimento humano do Ser, ela se torna, então, uma pedagogia voltada para a paz. Por isso que a UNESCO reconheceu esse elemento tão grandioso e fortalecedor, num mundo onde se busca hoje, mais do que nunca, a necessidade de fazer a paz ser sentida pelos povos.
Durante o curso, percebi que as atividades eram intercaladas entre momentos onde mexíamos o corpo e brincávamos, e outros mais quietos, concentrados. Essa forma ritmada de viver as atividades é um dos princípios da Pedagogia Waldorf?
Sim. Entendemos na Pedagogia Waldorf que o ritmo conduz a vida do ser humano como um reflexo do que acontece na natureza. E a natureza segue uma ordem rítmica que também corresponde a uma ordem cósmica. O ser humano, como criatura que é, corresponde a uma ordem rítmica naturalmente. Precisamos cultivar e sustentar este ritmo, pois temos a capacidade de pensar, temos o livre arbítrio.
Quando existe um componente de compreensão que faz com que as atividades do dia a dia se tornem uma repetição daquilo que vive no organismo, o ritmo se torna absolutamente vitalizante para a criança e para todo ser humano. Não de forma mecânica, inconsciente, mas com a consciência de que o ponto central e vital do ser humano basicamente corresponde ao sistema cardiorrespiratório. Quando encontramos um eixo para respirar melhor, conseguimos desenvolver nosso organismo e evidentemente a nossa consciência. E na vida da criança quando isso se repete faz com que o seu organismo combine com o que está acontecendo lá fora, isso é uma maneira de tornar a vida mais saudável.
E de que forma esse ritmo é vivenciado nas escolas Waldorf?
Por exemplo, no inicio da manhã há um bom dia, que difere o formato do jardim para o grau (ensino fundamental), mas que, em ambos, pode haver música, canto e versos que são lidos. Na criança pequena, há o desenho, momento para fazer o pão, a aquarela, contato com brinquedos feitos com elementos naturais. As atividades compõem um ritmo, entre um pulsar, momento que contrai e que se expande. Então nas diferentes fases da criança, as aulas de matéria, de desenho, o brincar livre, as músicas, as histórias contadas, acontecem de forma rítmica. Há momentos que o pensar, o sentir e o fazer estão mais contraídos, depois mais expandidos nas atividades vivenciadas. Então há contração e há expansão de maneira muito consequente.
Como a teoria dos setênios, que divide a vida humana em ciclos de sete anos, é abordada na Pedagogia Waldorf?
A Pedagogia Waldorf compreende que é preciso olhar os fenômenos que vivem no ser humano no geral. Mas percebe que a cada sete anos há um fenômeno significativo de mudança. Os primeiros sete anos, a mudança para o segundo setênio (7 a 14 anos), para o terceiro (14 a 21 anos) e assim por diante.
No primeiro setênio, no jardim da infância, por meio do trabalho que o professor realiza, deve-se possibilitar o despertar contínuo da imitação. Imitação a mais saudável possível, imitar gestos, imitar falas com pleno sentido do que se deve viver no mundo. No segundo setênio, a autoridade do professor deve proporcionar o despertar de uma veneração pelo mundo natural. Isso acontece quando a criança percebe a relação entre ela e a natureza. A presença da natureza na sala de aula não se faz meramente por que o elemento natural está lá. Mas também pela linguagem que professor vai usar, baseada em um repertório que espelha a relação desse professor com o mundo sensorial, com o mundo da natureza. Na medida em que essa autoridade manifesta pelo professor condiz com a verdade que existe dentro, ou seja, que há uma coerência entre o que existe dentro e fora do professor, isso se faz muito presente na sala de aula, não só porque ele vive essa relação com a natureza, mas porque ele leva isso para as crianças. Então a autoridade dele despertará essa veneração pelo mundo natural.
O terceiro setênio desperta no jovem uma tarefa a ser realizada lá fora. Quando o jovem olha para uma sociedade que sofre desajustes e vê não só a verdade de que há problemas, mas sente a verdade que está nele, que ele se edificou como ser humano, então o jovem entende que tem uma tarefa muito grande em colaborar com o ajuste desse mundo. Ele vai colaborar e não salvar o mundo sozinho. Essa é atarefa social do jovem no terceiro setênio. O despertar da responsabilidade leva a um trabalho social.
A escola Waldorf do Recife, que completou recentemente 14 anos, divulgou um selo com a seguinte mensagem. “Dois setênios fazendo uma escola à mão”. Quais os principais desafios de valorizar trabalhos manuais, em uma era onde a tecnologia espalha-se por todos os cantos?
O maior desafio é que o professor tenha a certeza de que ele pode fazer também. Importa o quanto ele, como professor de uma escola Waldorf, independente de suas habilidades, tenha a compreensão de que uma atividade manual ajuda a criança e o jovem a se edificar.
Se a tecnologia vem massacrar todos esses movimentos naturais e primordiais do ser humano, o trabalho manual vem reconstruir, historicamente falando. A Pedagogia Waldorf desenvolve trabalhos manuais porque acredita que os trabalhos feitos com as mãos levam para fora o impulso do coração.Então quando a criança vai fazer ponto cruz, tricô, marcenaria, aquarela e todas as atividades de cunho artístico, feitas à mão, ela deve sentir o prazer e a alegria de colocar pra fora dela o que tem de mais bonito no formato do trabalho realizado.
O desafio é que o professor possa, como escola, garantir que independente das diferenças entre as famílias, se a tecnologia faz parte da realidade da família, ou não, que isso fique de fora da escola e as famílias venham colaborar de forma espontânea, em trabalhos de bazar, por exemplo. O desafio é grande, justamente por estar indo contra a correnteza da sociedade contemporânea que valoriza demais a tecnologia.
Você poderia comentar a expressão “A pedagogia cura e a medicina educa”:
O professor Waldorf é alguém potencialmente interessado no mundo imaginativo, desperta nele um amor profundo pelas crianças e pela natureza. Por isso ele acompanha os anos na escola, aqui no Recife, até o quinto ano (ensino fundamental), e no jardim onde se fica um período longo com o mesmo professor. Isso possibilita que o professor desenvolva uma observação que a gente pode chamar de fenomenológica do que vive, do que está vivendo naquela criança, do que ela trás e como ela se mostra hoje. Essa observação ele compartilha com os colegas. A partir disso entendemos que além do ritmo diário que a escola realiza e já é sanador por si, quando o professor percebe todos os desajustes que há na sociedade de hoje, do qual ele também faz parte, e se volta o trabalho de maneira muito consequente em sala de aula ele está ajudando a curar determinadas doenças sociais que a sociedade contemporânea criou e continua criando. Como ele faz isso? Através primeiro do que é básico, o próprio ritmo e do ensino que é divido em épocas na escola, no caso do grau. No caso do jardim da infância, não possibilitando que a criança seja alfabetizada antes de haver uma maturidade física e inclusive neurológica, isso já é uma maneira de atuar contrariamente ao que está aí na sociedade. O ritmo cura, é sanador, e quando os desajustes de fora aparecem no comportamento das crianças o professor realiza essa observação devagar e encontra medidas pedagógicas para poder atuar junto da criança para que ela devagar venha se transformar.
São atitudes pedagógicas das mais diversas, desde a observação individual que num trabalho de grupo você possa atender a demandas individuais e respeitar o ritmo mais lento de uma criança em relação à classe absolutamente rápida, entre outras.
No que diz respeito à medicina, o Rudolf Steiner quando citou isso, ele tinha muito claro que a atuação do médico não é uma atuação da qual ele mantém um contato com seu paciente com a mesma frequência e assiduidade que o professor. O médico orienta de forma educativa. Já o professor acompanha, desenvolve uma observação dia após dia. De forma que pode fazer com que se processe um caminho de cura junto da criança.
Disponível em: http://portalfloresnoar.com/floresnoar/na-pedagogia-waldorf-o-ritmo-conduz-a-vida-do-ser-humano-confira-entrevista-com-katia-galdi/
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